A Criação Aguarda com Esperança
- escritorhoa
- 26 de abr.
- 6 min de leitura
Lectio Divina
Versículo Chave: Romanos 8,19
1. Introdução
A Epístola aos Romanos é uma das mais profundas exposições teológicas do Novo Testamento, redigida por São Paulo. No capítulo 8, o Apóstolo medita sobre os sofrimentos do tempo presente em contraste com a glória futura prometida aos filhos de Deus. O versículo 19 nos convida a olhar para a criação não apenas como cenário, mas como protagonista de uma esperança viva. Essa criação, sujeita à vaidade por causa do pecado, anseia pela manifestação dos que são redimidos em Cristo. Este versículo é central para compreendermos nosso papel na restauração do mundo, iluminado pela graça.

2. Texto do versículo
“Pois a criação aguarda ansiosamente a revelação dos filhos de Deus.” (Romanos 8,19)
3. Lectio: Leitura atenta
Este versículo deve ser lido com atenção e reverência, pois revela um profundo mistério: a criação, em sua totalidade, aguarda com esperança. A palavra “aguarda” expressa mais do que uma simples espera: é um anseio ativo, cheio de desejo e expectativa. A expressão “revelação dos filhos de Deus” indica uma manifestação gloriosa — a epifania dos que, pela graça, foram feitos filhos no Filho. Ao lermos lentamente, devemos destacar os termos “criação” e “filhos de Deus”, pois ambos estão intimamente ligados: a criação sofre por causa do pecado humano, mas também espera sua gloriosa redenção junto com os filhos adotivos do Pai. Esta passagem nos conduz a contemplar a dimensão universal da salvação, em que toda a realidade visível participa do plano de Deus para a restauração de todas as coisas em Cristo.
4. Meditatio: Meditação sobre o versículo
São Paulo nos apresenta aqui uma visão grandiosa e ao mesmo tempo profundamente espiritual da criação. Ele nos diz que toda a natureza, toda a criação — desde os céus e os mares até as plantas e os animais — participa, de algum modo misterioso, do drama da salvação. Não é apenas o homem que aguarda a redenção, mas toda a ordem criada, ferida pelo pecado original, geme com dores de parto (cf. Rm 8,22).
A expressão “aguarda ansiosamente a revelação dos filhos de Deus” nos faz compreender que a criação reconhece, ainda que de maneira não racional, que algo glorioso está por vir. E esse algo é a manifestação plena daqueles que foram adotados por Deus por meio de Cristo. Isso nos remete ao estado original do mundo, no Gênesis, quando tudo era “muito bom” (Gn 1,31), e o homem vivia em harmonia com a criação, sendo seu guardião e sacerdote.
Com o pecado, essa harmonia foi rompida. A terra foi amaldiçoada por causa da desobediência de Adão (cf. Gn 3,17). Desde então, a criação está sujeita à corrupção, ao sofrimento, à morte. Mas o plano de Deus, desde a eternidade, não se restringe à salvação das almas humanas: Ele quer restaurar todas as coisas em Cristo (cf. Ef 1,10). Essa restauração inclui a criação, que será liberta da escravidão da corrupção e transformada numa nova terra e novos céus (cf. Ap 21,1).
Neste contexto, a revelação dos filhos de Deus não se refere apenas ao tempo presente, quando os cristãos vivem segundo o Espírito. Refere-se, sobretudo, ao momento escatológico, à vinda gloriosa de Cristo, quando os justos ressuscitarão com corpos glorificados e toda a criação será renovada. Santo Irineu de Lyon ensinava que “a criação também será herdeira da glória dos filhos de Deus” (Adversus haereses, V, 32,1), pois foi criada por Deus e aguarda sua transfiguração.
São Tomás de Aquino, comentando este trecho, afirma que “toda criatura, como que suspensa, espera a glória futura que aparecerá nos filhos de Deus”. Ele destaca que essa criação foi feita para o homem e, portanto, sofre por causa do pecado humano, mas espera ser renovada com ele.
A aplicação prática desse versículo é profunda. Em primeiro lugar, somos chamados a viver como verdadeiros filhos de Deus, cooperando com a graça, sendo luz do mundo e fermento na massa. Nossa vida deve irradiar esperança, pois o mundo aguarda nossa revelação. Em segundo lugar, somos convidados a cuidar da criação, não por ideologias modernas, mas porque ela participa da esperança escatológica. Cada gesto de cuidado com a natureza, cada atitude de gratidão pelo mundo criado, é um sinal de comunhão com o plano divino.
Além disso, este versículo nos convida a olhar o sofrimento de modo redentor. As dores que vemos na criação, como os desastres naturais, as doenças, a corrupção das coisas, são também clamores, gemidos que aguardam redenção. A natureza nos ensina a esperar em Deus com perseverança e confiança.
A esperança é, pois, a virtude teologal que perpassa todo o texto. A criação ensina o homem a esperar. E o homem, ao contemplar a criação, é conduzido à esperança na glória futura. Como dizia São João da Cruz, “a esperança faz a alma alçar-se a Deus e esperar d’Ele o que ainda não possui”.
A revelação dos filhos de Deus é, portanto, o ápice da economia da salvação, quando seremos plenamente conformados a Cristo. E isso não será apenas um prêmio individual, mas um acontecimento cósmico, que atingirá até mesmo os elementos da natureza. A criação aguarda essa manifestação como quem espera um novo amanhecer, um novo Éden onde a justiça habita.
Que possamos viver essa esperança, caminhando na luz da graça, certos de que a nossa fidelidade a Deus tem ressonâncias eternas, não apenas para nós, mas para todo o universo criado.
5. Oratio: Orando com o versículo
Senhor Deus, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, nós te louvamos pela beleza da tua criação, que manifesta tua sabedoria e teu poder. Hoje, ao meditar tua Palavra, reconhecemos que toda a criação geme e sofre na esperança da nossa redenção. Dá-nos, ó Pai, a graça de vivermos como verdadeiros filhos teus, para que o mundo veja em nós os sinais do Reino que há de vir.
Renova nosso coração, purifica nossa mente e fortalece nossa fé. Que a esperança da glória futura nos sustente nas tribulações do tempo presente. Ensina-nos a cuidar do mundo com responsabilidade, sabendo que tudo foi criado por ti e para ti.
Senhor, que a revelação da tua glória em nossos corações seja fonte de luz para todos ao nosso redor. Que sejamos testemunhas da tua misericórdia e da tua promessa de renovação. Maranatha! Vem, Senhor Jesus!
6. Contemplatio: Contemplação silenciosa
Feche os olhos por alguns instantes. Respire profundamente. Imagine a criação inteira — o céu, os rios, as montanhas, os animais — em silêncio, aguardando a revelação dos filhos de Deus. Sinta o peso e a beleza dessa esperança. Deixe que o Espírito Santo fale ao seu coração, sem palavras. Permaneça em silêncio diante do Senhor e acolha essa expectativa da criação como um convite à santidade. Ouça interiormente a voz de Deus que te chama a ser luz no mundo, sinal da glória futura. Permaneça assim, em adoração silenciosa, por alguns minutos.
7. Pensamentos para reflexão pessoal
Vivo como um verdadeiro filho de Deus, cuja vida revela a glória futura?
Tenho esperança nas promessas divinas, mesmo em meio aos sofrimentos?
Como posso colaborar para que a criação reconheça em mim o reflexo do Criador?
8. Actio: Aplicação prática
Este versículo nos desafia a agir concretamente. Primeiro, cultivando em nosso coração uma esperança viva, alimentada pela Palavra de Deus e pelos sacramentos. Participar da Santa Missa com fervor, confessar-se com regularidade e rezar diariamente são caminhos para tornar visível a filiação divina em nós.
Segundo, somos chamados a cuidar da criação como expressão de nossa fé. Podemos rever nossos hábitos: evitar desperdícios, usar com moderação os recursos naturais, reciclar, plantar, zelar pelo ambiente em casa, na comunidade, na paróquia.
Por fim, tornar-se sinal da glória futura também significa amar com gestos concretos: visitar um doente, consolar um aflito, ajudar um necessitado. A criação aguarda nossa revelação — e ela começa nos pequenos atos vividos com amor. Que nossa vida seja uma profecia viva da nova criação que virá.
9. Mensagem final
A Lectio Divina de hoje nos mergulhou num dos mistérios mais belos da fé: a criação espera por nós. Isso é mais do que poesia, é uma verdade espiritual profunda. O mundo sofre, mas também espera. Espera por ti, por mim, por todos os que foram feitos filhos de Deus no Batismo. Que possamos viver à altura dessa vocação, com esperança, alegria e fidelidade. Não estamos sós. A criação inteira nos acompanha, como um coro silencioso que aguarda o triunfo da graça. Sejamos fiéis, pois nossa vida toca o cosmos. Cristo, o Primogênito de toda a criação, já nos precede na glória. Caminhemos com Ele.
Comments