O Sofrimento Presente e a Glória Futura
- escritorhoa
- 16 de ago.
- 6 min de leitura
Lectio Divina
Versículo Chave: Romanos 8,18
1. Introdução
A carta aos Romanos, escrita por São Paulo, é um dos tratados mais profundos sobre a salvação e a vida no Espírito. No capítulo 8, Paulo discorre sobre a liberdade dos filhos de Deus e o sofrimento terreno em vista da glória prometida. O versículo 18 nos convida a olhar além das dores do presente, mantendo o coração firme na esperança da glória futura. Esta perspectiva é essencial para a vida cristã, pois consola, fortalece e orienta o fiel na fidelidade a Deus, mesmo em meio às tribulações inevitáveis da existência humana.

2. Texto do versículo
“Pois tenho para mim que os sofrimentos do tempo presente não se comparam com a glória futura que há de ser revelada em nós.” (Romanos 8,18)
3. Lectio: Leitura atenta
Leia lentamente, com o coração atento, este versículo. Note a convicção apostólica: “tenho para mim” (existimo enim) indica certeza, fruto da fé e da experiência no Espírito. “Os sofrimentos do tempo presente” (passiones huius temporis) englobam todas as tribulações da vida: físicas, morais, espirituais. Mas Paulo os considera pequenos quando postos ao lado da “glória futura” (futura gloria). Esta glória, ainda escondida, “há de ser revelada” (revelabitur) — será manifesta no tempo de Deus, “em nós” (in nobis), ou seja, na plenitude de nossa participação na vida divina. Grave essas palavras no coração: sofrimento, glória, revelação, esperança.
4. Meditatio: Meditação sobre o versículo
São Paulo, ao escrever aos cristãos de Roma, comunica uma visão teológica da realidade marcada pela esperança escatológica. Sua certeza não vem da lógica humana, mas da fé que enxerga além do visível. “Tenho para mim” não é mera opinião, mas expressão de uma convicção que nasce da contemplação da cruz e da ressurreição de Cristo. Paulo sabe, como afirmou em outro momento, que “se com Ele sofremos, com Ele também seremos glorificados” (Rm 8,17).
O sofrimento, portanto, não é ignorado. Está presente. Mas ele é relativizado à luz da eternidade. Os “sofrimentos do tempo presente” são reais, dolorosos, e assumem múltiplas formas: perseguições, enfermidades, perdas, angústias interiores. No entanto, eles não são o fim. Paulo os apresenta como passageiros e inferiores em valor à “glória futura”. Essa glória é promessa de Deus, revelada já na pessoa de Cristo ressuscitado e aguardada na plenitude pelos que são filhos no Filho.
A teologia católica sempre entendeu que a glória futura a que Paulo se refere é a visão beatífica — o contemplar Deus face a face (cf. 1Cor 13,12), a plena comunhão com Ele. Tal realidade está, no momento, escondida, mas será “revelada em nós”. Santo Agostinho interpreta este versículo dizendo que o sofrimento nos prepara, purifica-nos, molda-nos como vasos de barro que, no fim, conterão a glória divina. Já São João Crisóstomo comenta que Paulo compara as dores da vida não com pequenas consolações, mas com algo infinitamente superior: a glória eterna que há de ser revelada — algo que nem olhos viram nem ouvidos ouviram (cf. 1Cor 2,9).
A palavra “revelada” (revelabitur) é importante. Aponta para uma ação divina. Não se trata de algo conquistado pelo mérito humano, mas de um dom de Deus, um mistério agora escondido que será manifesto no tempo oportuno. Isso ecoa o ensinamento da Igreja sobre a esperança cristã: uma espera ativa, fecunda, que se apoia nas promessas de Deus. O Concílio de Trento ensina que esta glória é fruto da graça santificante e da perseverança final — dons concedidos por Deus aos que Lhe permanecem fiéis.
É necessário observar que Paulo não diz que os sofrimentos são bons por si mesmos, mas que eles, permitidos por Deus, se tornam ocasião de santificação quando unidos ao sofrimento redentor de Cristo. A mística cristã nos mostra isso de modo vívido: santos e mártires abraçaram a cruz não por masoquismo, mas por amor a Deus e na certeza da glória. Como diz Santa Teresa d’Ávila: “Tudo passa, só Deus não muda. Quem a Deus tem, nada lhe falta”.
Na vida cotidiana, este versículo consola o coração atribulado. Em tempos de doença, perseguição, dúvida ou dor, o cristão recorda que nada é em vão. Toda lágrima pode ser semente de eternidade, desde que lançada com fé. Por isso, este versículo é também um convite à perseverança: não desistir, não ceder à desesperança, mas continuar caminhando na certeza de que “as coisas que não se veem são eternas” (2Cor 4,18).
A glória futura será “em nós”. Não se trata apenas de algo externo, mas de uma transformação interior: o homem será transfigurado pela graça, participando da natureza divina (2Pd 1,4). Este é o fim último da vida cristã: ser como Deus, não por essência, mas por participação. Portanto, os sofrimentos atuais são como as dores do parto, que anunciam uma nova vida. A criação inteira geme em expectativa (cf. Rm 8,22), e nós também.
A meditação profunda deste versículo conduz o fiel a unir-se mais estreitamente a Cristo crucificado, fonte de toda glória. Com Ele aprendemos que não há ressurreição sem cruz. A vida do cristão é pascal: marcada por morte e ressurreição, sofrimento e glória. Não há glória sem cruz, mas toda cruz, quando abraçada por amor, conduz à glória. Esta é a certeza de Paulo, esta é a certeza da Igreja, e esta deve ser também a nossa.
5. Oratio: Orando com o versículo
Senhor meu Deus, Pai de toda consolação, venho a Ti com meu coração ferido pelas dores do tempo presente. Muitas vezes, sinto-me cansado, abatido e sem forças. Mas hoje, pela Tua Palavra, reacende-se em mim a esperança. Tu me dizes que nada se compara com a glória que preparaste para aqueles que Te amam.
Dá-me, Senhor, a graça de olhar além do sofrimento, de perceber a Tua mão mesmo nas provações, de confiar que tudo coopera para o bem daqueles que Te amam. Ajuda-me a unir minhas dores à cruz de Teu Filho Jesus, para que se tornem redentoras.
Sustenta-me com Teu Espírito, ó Consolador, e faz com que, mesmo na dor, eu cante louvores. Que cada lágrima seja uma oração e cada luta, uma oferta de amor. Amém.
6. Contemplatio: Contemplação silenciosa
Silencie agora o coração. Diante de Deus, contemple a esperança eterna. Imagine-se na glória futura, na presença do Senhor, onde toda dor foi vencida. Sinta o consolo do Espírito que habita em você. Deixe que este versículo ecoe em sua alma: “Os sofrimentos do tempo presente não se comparam com a glória futura que há de ser revelada em nós”. Permaneça em silêncio, acolhendo a paz que vem do Alto.
7. Pensamentos para reflexão pessoal
Tenho confiado em Deus mesmo nas minhas dores?
Como posso transformar meu sofrimento em oferta de amor?
Estou vivendo na esperança da glória futura?
8. Actio: Aplicação prática
A partir desta Lectio, proponha-se a viver o sofrimento cotidiano com fé. Quando for tentado a reclamar ou desanimar, recorde o versículo de hoje. Escreva-o e leve consigo.
Em momentos de dor, ofereça-os em união com o sacrifício de Cristo pela conversão dos pecadores ou pela Igreja.
Procure consolar alguém que sofre, partilhando com ele a esperança cristã.
Reze diariamente, mesmo que brevemente, pedindo ao Espírito Santo que fortaleça sua fé e firme seus passos na esperança.
Participe da Santa Missa com maior fervor, vendo nela o memorial da paixão e da glória futura.
Por fim, medite com frequência sobre a vida eterna, pois pensar no Céu renova a alma e fortalece a caridade.
9. Mensagem final
Romanos 8,18 é um farol para o cristão em meio às tempestades da vida. Ele nos relembra que nada é em vão e que a glória eterna ultrapassa qualquer dor passageira. São Paulo não minimiza o sofrimento, mas o relativiza à luz da eternidade. Ele nos convida a viver com os olhos fixos no Céu, onde Deus nos aguarda.
Seja qual for sua cruz, não caminhe sozinho: Cristo está com você. A Igreja, os santos, os sacramentos — todos apontam para esta certeza: Deus é fiel, e sua promessa se cumprirá.
Mantenha-se firme. Espere no Senhor. A glória virá.




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