Perdão sem limites: a misericórdia de Deus
- escritorhoa
- 30 de ago.
- 6 min de leitura
Lectio Divina
Versículo Chave: Mateus 18,21-22
1. Introdução
No Evangelho de Mateus, capítulo 18, Pedro se aproxima de Jesus com uma pergunta crucial sobre o perdão. Essa passagem está inserida no contexto das instruções de Jesus à comunidade cristã nascente sobre a convivência fraterna. A resposta de Cristo não apenas ultrapassa as expectativas de Pedro, mas redefine a medida do perdão cristão: ele deve ser ilimitado, assim como é a misericórdia do Pai. Este ensinamento é central na vida cristã, pois nos desafia a superar o ressentimento e abraçar uma caridade que reflita o amor divino. A prática do perdão é sinal de pertença ao Reino dos Céus.

2. Texto do versículo
"Então Pedro, aproximando-se dele, disse: ‘Senhor, quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete vezes?’ Jesus lhe disse: ‘Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.’" (Mateus 18,21-22)
3. Lectio: Leitura atenta
Leia o versículo lentamente, com o coração aberto. Observe como Pedro tenta estabelecer um limite generoso ao perdão — sete vezes. Isso já seria muito segundo os costumes judaicos da época, que sugeriam três. Mas Jesus responde de forma surpreendente: “setenta vezes sete”. Esse número simbólico aponta para um perdão sem medida, não contável. Destaque palavras como “perdoarei”, “sete” e “setenta vezes sete”. Elas revelam um contraste entre a lógica humana e a lógica divina. Ao ler esse trecho repetidas vezes, deixe que cada palavra penetre no coração. Permita que a Palavra de Deus purifique qualquer rigidez em sua disposição para perdoar. Ouça a voz de Cristo chamando você a um novo patamar de amor, onde não há espaço para contabilizar ofensas, mas apenas para exercer misericórdia.
4. Meditatio: Meditação sobre o versículo
A cena começa com Pedro se aproximando de Jesus com uma dúvida sincera, talvez até esperançoso de estar sendo generoso: “Devo perdoar até sete vezes?”. Segundo a tradição judaica da época, o limite usual era de três perdões. Pedro, ao propor sete, dobra a medida e ainda acrescenta um, expressando plenitude. Mas Jesus transcende essa lógica: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.” Ele não propõe uma nova contagem, mas destrói a própria ideia de contagem.
Este ensinamento de Cristo não é novo. Está enraizado na revelação do Antigo Testamento. Em Gênesis 4,24, Lamec declara: “Setenta vezes sete será vingado”. A linguagem de Jesus inverte esse espírito de vingança, transformando-o em um convite à misericórdia. Onde o pecado abunda, a graça deve superabundar (cf. Rm 5,20). O Senhor ensina que o discípulo deve se configurar a Ele, tornando-se canal da mesma misericórdia que recebeu.
A medida do perdão cristão é a medida com que Deus nos perdoa. E qual é essa medida? Infinita. O Pai celestial nos perdoa não por mérito nosso, mas por seu amor gratuito. Nosso pecado é uma ofensa infinita à majestade divina, e, ainda assim, somos perdoados quando nos arrependemos sinceramente. Como, então, poderíamos nós, pecadores perdoados, recusar o perdão a um irmão?
Santo Agostinho comenta que, ao dizer “setenta vezes sete”, Jesus nos ensina a jamais reter o perdão, pois o número representa a perfeição multiplicada pela misericórdia. O perdão deve se tornar um hábito, uma disposição do coração constantemente renovada. Já São João Crisóstomo ressalta que Cristo não propõe uma aritmética do perdão, mas uma disposição interior que o torna sempre disponível. A raiz do perdão está no amor ao próximo — que, por sua vez, brota do amor a Deus.
Mas o perdão verdadeiro é difícil. Requer vencer o orgulho, a raiva, e até mesmo a dor. É um ato de vontade que, frequentemente, se opõe aos sentimentos naturais. No entanto, é o caminho seguro da liberdade espiritual. Quando não perdoamos, permanecemos presos ao mal que nos foi feito. Perdoar é, também, libertar-se. É viver como filhos do Pai que faz nascer o sol sobre maus e bons (cf. Mt 5,45).
Jesus, ao ensinar o “Pai Nosso”, inclui a cláusula: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.” Ele estabelece uma correlação direta entre o perdão recebido e o perdão dado. Se não perdoamos, fechamos o canal da graça. O perdão é uma exigência da vida cristã, uma condição para permanecer na graça divina.
É importante notar que o perdão não significa negar a justiça. Alguém pode perdoar e, ainda assim, buscar reparação, quando justa e necessária. O perdão não é esquecimento, mas é a escolha de não se vingar, de não alimentar o ódio, de não desejar o mal. É uma decisão ativa de amar, mesmo diante da dor.
No cotidiano, a lição do perdão se aplica de modo prático. No lar, muitos desentendimentos são evitados ou curados quando existe um coração disposto ao perdão. No trabalho, tensões se dissipam com palavras de reconciliação e gestos de humildade. Na vida da Igreja, divisões são sanadas quando os fiéis abraçam sinceramente o ensinamento de Jesus. O perdão, vivido com autenticidade, constrói pontes, cura feridas e sustenta a comunhão.
Por fim, o perdão é também evangelização. O mundo, mergulhado na cultura do cancelamento e da revanche, precisa ver cristãos que perdoam. Esse testemunho silencioso, mas poderoso, mostra que o Evangelho é real, transformador, vivo.
5. Oratio: Orando com o versículo
Senhor Jesus, ensinaste a Pedro — e a nós — que o perdão não deve ter limites, pois o amor do Pai é infinito. Perdoaste nossos pecados com Teu sangue derramado na cruz, sem nos lançares no rosto nossas misérias. Dai-nos, Senhor, um coração semelhante ao Teu.
Ensina-nos a perdoar não apenas sete vezes, mas sempre. Que em cada ofensa recebida vejamos uma oportunidade de amar mais, de morrer para nós mesmos e viver para Ti. Livra-nos do ressentimento, da dureza de coração, da memória rancorosa. Que Tua graça nos fortaleça para perdoar mesmo quando dói, mesmo quando não somos compreendidos.
Colocamos diante de Ti todas as pessoas que nos feriram. Concede-nos a graça de orar por elas e de desejar-lhes o bem. Queremos amar como Tu amas, Senhor. Transforma nosso coração com Teu Espírito Santo. Amém.
6. Contemplatio: Contemplação silenciosa
Silencie agora o coração. Respire profundamente e repita no íntimo: “Perdoai-nos… como nós perdoamos”. Permaneça na presença de Deus. Deixe que a Palavra ecoe suavemente em sua alma. Visualize o rosto de quem você precisa perdoar. Ofereça essa pessoa a Deus. Permita que o Espírito Santo derrame a paz em seu coração. Contemple a cruz: lá está a fonte de todo perdão. Permaneça neste mistério.
7. Pensamentos para reflexão pessoal
Tenho guardado rancor contra alguém?
O perdão que ofereço é condicional ou livre como o de Cristo?
Como posso me configurar mais ao coração misericordioso de Jesus?
8. Actio: Aplicação prática
Hoje, dê um passo concreto para perdoar alguém. Escreva uma carta (mesmo que não entregue), faça uma oração específica por essa pessoa ou procure uma reconciliação. Se o perdão ainda não for possível, suplique a Deus a graça de desejá-lo. Além disso, examine-se diariamente: há mágoas escondidas? Traga-as à luz da oração.
Inclua no seu dia a prática do “ato de perdão”, dizendo interiormente: “Em nome de Jesus, eu perdoo…” e complete com o nome da pessoa. Faça disso uma prática contínua. Participe do Sacramento da Reconciliação, onde você mesmo experimenta o perdão divino. Torne-se canal desse perdão para os outros.
9. Mensagem final
A resposta de Jesus a Pedro é um chamado à santidade pela misericórdia. O perdão é a ponte entre o amor divino e a nossa convivência humana. Não somos convidados a perdoar porque o outro merece, mas porque fomos perdoados sem merecer. O perdão transforma corações, cura feridas, une famílias e edifica a Igreja. Ele é o reflexo mais claro do coração de Deus em nós.
Quando perdoamos, agimos como filhos do Altíssimo. Quando perdoamos, libertamo-nos do peso do mal. Que esta Palavra de hoje transforme sua vida e faça de você um portador da paz de Cristo.




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