Saborear as Coisas do Alto
- escritorhoa
- 20 de set.
- 8 min de leitura
Lectio Divina
Versículo Chave: Colossensses 3, 2
1. Introdução
Na carta aos Colossenses, São Paulo orienta cristãos recém-convertidos a viverem a nova vida recebida no Batismo. No capítulo três, ele os chama a uma reorientação radical do coração: fixar o pensamento nas realidades celestes, onde Cristo está glorificado. O versículo escolhido resume essa pedagogia espiritual, contrapondo “as coisas do alto” às “que estão sobre a terra”. Não se trata de desprezar a criação, mas de ordenar desejos, escolhas e prioridades segundo o Reino. A Igreja sempre leu esse imperativo como convite à santidade concreta: buscar Deus primeiro, para que todo o resto tome o seu devido lugar em nós.

2. Texto do versículo
“Pensai nas coisas do alto, não nas que estão sobre a terra.” (Cl 3,2)
3. Lectio: Leitura atenta
Leia o versículo devagar, detendo-se em cada expressão. “Pensai”: não apenas um pensamento ocasional, mas um hábito interior, uma disposição contínua da mente e do coração. “Nas coisas do alto”: tudo o que pertence a Cristo ressuscitado — sua vontade, seus mandamentos, suas promessas, os bens eternos. “Não nas que estão sobre a terra”: não absolutize o que é passageiro, não permita que interesses temporais determinem seu rumo espiritual. Releia enfatizando os contrastes: alto/terra, pensar/absolutizar. Observe o contexto imediato (Cl 3,1-4): fomos ressuscitados com Cristo, nossa vida está escondida n’Ele, e seremos manifestados com Ele em glória. Faça pequenas pausas respiratórias, permitindo que a palavra “alto” eleve seu horizonte e que “não” purifique seus apegos. Conclua pedindo luz ao Espírito Santo para perceber, no hoje, quais pensamentos dominam você e como orientar cada desejo ao senhorio de Cristo. Repita lentamente até gravar no coração. Deixe o silêncio acolher a Palavra.
4. Meditatio: Meditação sobre o versículo
“Pensai nas coisas do alto” é ordem que nasce de um fato: fomos ressuscitados com Cristo e, portanto, já participamos, em esperança, da vida celeste. O imperativo não se apoia em voluntarismo, mas na graça recebida, que pede cooperação. O verbo grego φρονεῖτε indica mais que pensar: trata-se de um modo de julgar, de saborear, de preferir. A Nova Vulgata usa sapite, de onde deriva sabedoria e sabor. Paulo convida a formar o gosto da alma pelas realidades que permanecem; é a educação do desejo, para que a mente se harmonize com o amor de Deus e o queira acima de tudo.
Os “bens do alto” não são abstrações. São, antes, a própria pessoa de Cristo glorioso, sua vontade salvífica e os meios por Ele instituídos para nos unir a Si: a fé, a caridade, os sacramentos, as virtudes teologais e morais, a esperança da glória. Fixar neles o pensamento purifica afetos desordenados e restitui a hierarquia do amor. Santo Agostinho ensina que somos aquilo que amamos: se amamos o que passa, deslizamos com o tempo; se amamos o eterno, firmamo-nos n’Aquele que não muda. Pensar no alto é, pois, orientar todo o ser para Deus, nossa pátria e nosso fim.
Mas Paulo acrescenta a negação: “não nas que estão sobre a terra”. A advertência não condena a bondade criada, pois a terra é obra de Deus; combate, sim, o apego que faz dos bens temporais um fim último. Esse desvio gera idolatria, avareza, sensualidade e vanglória, como o próprio contexto de Colossenses enumera. O coração dividido perde o sabor das coisas de Deus. São João Crisóstomo observa que o pensamento terreno arrasta a alma para baixo, tornando-a pesada, enquanto o olhar fixo em Cristo a torna leve e pronta para a caridade. A direção interior molda toda a vida.
A expressão “as coisas do alto” requer discernimento concreto. Quais pensamentos, imagens, lembranças e decisões alimentamos? O cristão não vive fugindo do mundo, mas cultivando nele uma mente celeste. Isso significa buscar primeiro o Reino e sua justiça, ordenar o trabalho, os estudos, o descanso e as relações segundo a lei de Deus, rejeitando o pecado e tudo o que o favorece. Significa também acolher a cruz cotidiana com amor, porque o alto passa pela exaltação de Cristo no Calvário. Aquilo que parecemos perder por amor a Deus, na verdade, purifica o coração e alarga nossa capacidade de amar.
São Tomás de Aquino nota que pensar o alto tem como regra o fim último: a visão de Deus. Tudo deve ser ordenado a esse fim; o que ajuda, escolhe-se; o que impede, evita-se. Tal sabedoria nasce da caridade, que infunde no intelecto um novo sabor. Por isso, a Igreja, em sua disciplina espiritual, propõe práticas que educam a mente: leitura meditada da Escritura, exame de consciência, confissão frequente, participação no Santo Sacrifício da Missa, adoração eucarística, rezar o Rosário, obras de misericórdia. Não são adendos opcionais: são meios concretos pelos quais o Espírito nos eleva ao Cristo.
Outro aspecto é a memória. Pensar o alto não é forçar pensamentos positivos, mas recordar os benefícios do Senhor, meditando suas obras e promessas. A lembrança grata vence a ansiedade, relativiza perdas e fortalece a perseverança. O coração volta-se então do “eu” para Deus, e a mente aprende a repousar na providência. Ao mesmo tempo, há combate espiritual: sugestões, distrações, curiosidades inúteis e paixões levantam-se contra essa orientação. Por isso Paulo usa o imperativo contínuo: permanecei nessa disposição. Trata-se de vigilância amorosa, capaz de dizer “não” com firmeza e “sim” com prontidão, a cada hora, em cada decisão.
Não pensemos, contudo, que tudo dependa de nosso esforço. O primeiro a pensar em nós é Deus. Pela graça, Ele inclina nossa mente à verdade e move nossa vontade ao bem. Sem Ele, nada podemos; com Ele, tudo se torna possível. A contemplação do Cristo, sentado à direita do Pai, dá medida e critério aos pensamentos. Olhamos para cima não para escapar, mas para receber de lá a luz com que amamos aqui. Quando os desejos se ordenam, as mesmas realidades terrenas tornam-se caminho de santificação: família, trabalho, estudos, descanso e amizade convertem-se em locais de oferta, presença e serviço.
O contraste entre alto e terra também ilumina nossas escolhas morais. Onde colocamos o pensamento, ali o coração se fixa, e onde o coração se fixa, os passos seguem. Pensamentos de pureza alimentam pudor, castidade e respeito; pensamentos de inveja alimentam murmuração e divisão; pensamentos de fé alimentam coragem e perseverança. A mente não é neutra: ela prepara o terreno da liberdade. Por isso, exames diários ajudam a perceber a economia interior dos pensamentos, pedindo perdão pelos ruins, agradecendo pelos que vieram de Deus e propondo atos concretos que fortaleçam o bem. Assim crescemos na sabedoria dos santos.
Finalmente, pensemos no prêmio: “Quando Cristo, vossa vida, se manifestar, então também vós sereis manifestados com Ele em glória”. O alto não é um lugar neutro, mas o próprio Cristo, vida de nossa vida. Alimentar a mente com essa esperança muda a maneira de sofrer, trabalhar, amar e esperar. Ela reconcilia paciência e urgência: paciência, porque aceitamos o ritmo de Deus; urgência, porque não queremos perder tempo com o que não conduz ao céu. O Espírito Santo, vínculo entre nós e o Alto, grava em nós os pensamentos de Jesus e nos guia à maturidade de filhos.
Peçamos, então, a graça de cultivar um “gosto” novo, perseverante e realista: não uma fuga dos deveres, mas uma hierarquia tão ordenada que tudo, desde o pequeno gesto caseiro até a grande decisão profissional, se alinhe com a caridade. Assim, “pensar o alto” torna-se hábito: acordar oferecendo o dia, trabalhar com retidão, vigiar os sentidos, escolher amizades edificantes, recolher-se para rezar, confessar-se com frequência, comungar dignamente, servir os pobres, repousar sem culpa. O coração, pacificado, aprende a discernir com serenidade. E, pouco a pouco, o próprio Cristo pensa em nós e ama em nós, dando-nos sua paz. Então, desejos, pensamentos e obras respiram céu dentro da história. Aqui e agora.
5. Oratio: Orando com o versículo
Senhor Jesus, sentado à direita do Pai, eu Te adoro e proclamo que Tu és minha vida. Olha para meu coração dividido e cura-o com tua misericórdia. Dá-me o Espírito Santo, para que minha mente aprenda a saborear as coisas do alto e a rejeitar o que me afasta de Ti. Liberta-me dos apegos desordenados, das comparações, da pressa ansiosa, da curiosidade vã. Ensina-me a ordenar trabalho, descanso, afetos e projetos segundo tua vontade. Fortalece em mim a fé que vê o invisível, a esperança que persevera nas provações e a caridade que se oferece sem medida. Por tua cruz, purifica meus pensamentos; por tua Ressurreição, eleva meus desejos; por tua Eucaristia, sustenta meu caminho. Maria Santíssima, Mãe da Igreja, educa-me na obediência da fé e no silêncio contemplativo. São José, guarda do Redentor, ensina-me a firmeza humilde. Santos apóstolos, intercedei por mim. Concede-me vigilância serena, para recusar pensamentos inúteis, acolher inspirações discretas e, no concreto das tarefas, referir todas as coisas a Ti; que eu não busque aplausos, mas tua glória, não me perca em distrações, mas permaneça fiel; confirma-me na paz, para servir com generosidade hoje. Guia meus passos, ilumina-me sempre, sustenta-me na perseverança final, Senhor. Amém.
6. Contemplatio: Contemplação silenciosa
Entre no silêncio diante de Deus. Repita o versículo suavemente, como quem inspira e expira: “Pensai nas coisas do alto, não nas que estão sobre a terra”. Deixe que cada palavra desça ao coração. Contemple Cristo ressuscitado, sentado à direita do Pai, e permaneça ali, apenas presente. Quando surgir alguma lembrança inquieta, entregue-a a Jesus e retorne, simples e dócil, ao olhar fixo n’Ele. Não force nada: acolha. Permaneça alguns minutos, pedindo a graça de uma mente pacificada. Termine com um ato de fé amorosa: “Jesus, confio em Ti”, e um Glória ao Pai. Agora e sempre. Amém.
7. Pensamentos para reflexão pessoal
Quais pensamentos têm governado meu coração hoje: celestes ou terrenos?
O que preciso abandonar para pensar o alto com liberdade?
Quais meios concretos me ajudam a elevar a mente diariamente?
8. Actio: Aplicação prática
Estabeleça, por uma semana, um “minuto do alto” a cada hora acordada. Quando o alarme tocar, pare brevemente, erga o coração e repita: “Jesus, sede meu pensamento e meu amor”. Esse pequeno ato reeducará o foco interior.
Faça um exame de pensamentos cada noite. Anote três pensamentos que ajudaram sua amizade com Deus e três que atrapalharam. Agradeça pelos primeiros; renuncie aos segundos; proponha um concreto para amanhã (por exemplo, limitar o uso de telas, evitar curiosidades, guardar os olhos).
Escolha uma prática que eleve a mente: adoração eucarística semanal, quinze minutos diários de leitura do Evangelho, ou um terço rezado com atenção. Assuma com firmeza, sem voluntarismo, pedindo a graça. Integre também um serviço de caridade: visite alguém que sofre, ajude discretamente um necessitado, ou encoraje um desanimado. Assim, pensamento e ação se ajustam ao alto.
Ao iniciar qualquer tarefa, faça a oferta: “Por vós, Senhor”. Durante conversas, escolha palavras que edifiquem e evite julgamentos. Se cair, levante-se logo pela confissão e recomece. Revisite semanalmente este plano diante do Santíssimo, pedindo correções. A constância humilde, e não o entusiasmo passageiro, forma a mente celeste. Confie, persevere, e Deus fará frutificar seus pensamentos. Com paz verdadeira.
9. Mensagem final
Colossenses 3,2 é um compasso para o coração cristão. Ele oferece direção quando tantas vozes seduzem e dispersam. “Pensar o alto” não é luxo de poucos; é vocação de todos os batizados, porque fomos feitos para Deus. Quando acolhemos esse imperativo como caminho diário, o Evangelho penetra decisões, amizades, trabalho e repouso. A mente aprende a saborear o que permanece e a relativizar o que passa. Caímos? Recomeçamos com humildade, confiando na misericórdia. A luz vem do Cristo ressuscitado, presente na Eucaristia e que habita em nós pela graça. Com Maria e os santos, perseveramos, sabendo que o prêmio prometido supera toda fadiga. Hoje, escolha um ato simples que te eleve a Deus e sustente-o. Nele, cada passo comum torna-se semente de eternidade: um sorriso oferecido, um silêncio caridoso, um serviço oculto, uma oração breve. Pensa o alto, age na caridade, e a paz de Cristo guardará teu coração. Sempre.




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