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Mariologia Boaventuriana: Maternidade, Graça e Mediação

Atualizado: 16 de set.


ARTIGO - MARIOLOGIA BOAVENTURIANACaminho de Fé

INTRODUÇÃO

Em São Boaventura (†1274), a mariologia não é ornamento devocional: é eixo de síntese. O olhar franciscano do Doutor Seráfico reúne Escritura, Patrística e Liturgia para contemplar o lugar da Virgem no mistério de Cristo e da Igreja. A frase que condensa sua intuição é límpida e feliz: “Non decebat Virginem habere filium nisi Deum; nec Deum habere matrem nisi Virginem” — não convinha que a Virgem tivesse outro filho senão Deus, nem que Deus tivesse outra mãe senão uma Virgem. Deste núcleo — a maternidade divina (Theotokos) — irradiam-se, como círculos de luz, todos os demais privilégios e serviços de Maria: sua graça superabundante, a mediação subordinada que nos leva a Cristo, a cooperação na Encarnação e na Redenção (corredenção em sentido próprio, isto é, participação singular, não concorrente), a plenitude pneumatológica dos sete dons, a leitura tipológica (Nova Eva, Arca, Filha de Sião, Mulher do Apocalipse) e a figura de Mãe e Modelo da Igreja, cuja forma é a obediência do fiat.

O leitor encontrará, portanto, um percurso espiritual e catequético: cada seção articula doutrina e vida, oferecendo sempre aplicações práticas, exame breve e oração. Mantemos a fidelidade ao Magistério e à Tradição, indicando a moldura histórica do debate medieval sobre a Imaculada (com a posição de Boaventura — santificação in utero e isenção de pecado pessoal — à luz do desenvolvimento que culmina em 1854). Quando recorremos a compêndios tradicionais de louvores, assinalamos “(atr.)” para obras atribuídas como o Psalterium B. M. V. e o Speculum B. V. Mariae, por honestidade histórica e pastoral.

O objetivo é simples e exigente: ver melhor Jesus olhando com Maria e viver mais cristãmente caminhando com Maria. Assim, percorremos o arco completo — do Verbo que se faz carne em Maria à Igreja que aprende, com Maria, a crer, celebrar e servir — para que nossa devoção não pare no sentimento, mas se traduza em Palavra meditada, Eucaristia vivida, Reconciliação frequente e caridade operosa. Ad Iesum per Mariam.

São Boaventura estudando manuscritos diante do ícone da Anunciação; Maria com lírio e livro. Pintura a óleo barroca, franciscano, luz suave e atmosfera contemplativa.

2. MARIA EM SÃO BOAVENTURA

2.1. Maternidade divina (Theotokos) como eixo

Maria nos conduz ao centro: quem ela gerou é Deus. Por isso a Igreja a chama Theotokos, Mãe de Deus. São Boaventura formula o princípio com alegria: “Non decebat Virginem habere filium nisi Deum; nec Deum habere matrem nisi Virginem”. Não é curiosidade piedosa; é a coluna que sustenta todo o edifício mariano. Se o Filho que ela traz nos braços é o Verbo eterno, então virgindade, santidade e missão de Maria nascem e florescem da maternidade divina.

A lógica da convenientia, tão cara ao Doutor Seráfico, ajuda-nos a compreender: Deus age de modo digno de si e benéfico para nós. A virgindade manifesta que o nascimento de Cristo é obra do Espírito; a maternidade assegura que Ele assumiu nossa carne de verdade, sem fingimentos. Em Maria, os extremos se tocam: Deus e homem no mesmo Cristo; virgindade e fecundidade na mesma mulher. Assim, a Encarnação irradia luz sobre todos os privilégios da Mãe.

O admirabile commercium, cantado pela liturgia, resume o dom: o Criador toma o que é nosso para nos dar o que é Seu. O Filho eterno, permanecendo o que era, torna-se o que não era: um de nós. E o faz em Maria e por Maria: nela recebe um corpo, por ela entra no tempo, com ela aproxima-se de cada coração. Dizer “Mãe de Deus” é confessar quem é Jesus e o que Ele veio fazer: salvar, elevando-nos.

Implicações para a vida: primeiro, cristologia confessada. O Menino do presépio é o Eterno que entrou na história; por isso, a fé não pode reduzir Jesus a mestre brilhante. Segundo, soteriologia experimentada: a salvação toca a nossa carne. Terceiro, espiritualidade encarnada: a maternidade divina nos ensina a unir oração e deveres. Práticas simples: Angelus diário; Missa dominical vivida com atenção; um gesto de caridade como resposta agradecida.

Contemplar Maria com Boaventura é aprender a dizer com a Igreja: Deus se fez homem por nós, e o fez no colo de uma Mãe.

2.2. “Cheia de graça” e santidade singular

Quando o anjo saúda Maria, a Igreja escuta um nome novo: “cheia de graça”. Não é elogio passageiro; é identidade espiritual. Em Maria, a graça não visita de vez em quando, mas habita. Por isso, São Boaventura fala de plenitude qualitativa (dons ajustados à missão) e quantitativa (superabundância). A Mãe de Deus existe a partir da graça: tudo nela é espaço aberto para a ação do Espírito.

Essa plenitude não é adereço; nasce da maternidade divina. Se o Verbo quer uma morada humana, convém que a morada seja toda de Deus. A graça preveniente molda um coração indiviso, capaz de dizer “faça-se” sem reservas. A santidade de Maria é luz que possibilita a Encarnação e, ao mesmo tempo, aprende de Cristo o caminho da entrega.

No século XIII, Boaventura afirma que Maria foi santificada no seio materno (in utero), isto é, purificada antes do nascimento e totalmente isenta de qualquer pecado pessoal. Falta ainda a formulação que a Igreja proclamará mais tarde, em 1854: a preservação desde o primeiro instante de sua concepção. Vê-se, porém, uma bela continuidade: Agostinho destaca a necessidade universal da graça; Bernardo e Tomás veneram a santidade excelsa da Virgem; Boaventura sublinha a santificação antenatal; o Magistério, finalmente, ilumina o início com plena clareza.

O que essa graça realiza? Purifica o coração, fortalece a vontade e transborda em caridade. Em Maria não há canto escuro; por isso ela escuta e responde. Na nossa vida, essa plenitude cresce na rota simples dos sacramentos: Batismo lembrado e vivido, Reconciliação frequente, Eucaristia como centro, caridade que sai de si. A Imaculada mostra que a graça não é verniz, é vida nova que se aprende de joelhos e se confirma na prática.

Dois quadros para a oração: o jarro transbordante e a janela aberta. Propósito pastoral: um “fiat” diário, preparar a comunhão e praticar caridade. Com ela, a graça toma corpo no cotidiano: menos desculpas, mais silêncio, decisões prudentes, Eucaristia vivida e pequenos serviços discretos. Sempre fiel.

2.3. Maria Medianeira: intercessão e obtenção de graças

Depois de contemplar a maternidade divina e a plenitude de graça, perguntamos: qual é o lugar de Maria no caminho dos dons de Deus? Boaventura responde com sobriedade e calor: indigemus suffragio Virginis — “precisamos do socorro da Virgem”. Não porque falte algo a Cristo, o único Mediador, mas porque o Pai quis que sua misericórdia nos alcançasse com e por essa Mãe, de modo sempre subordinado e ordenado a Jesus.

Medianeira, então, significa participar da única mediação de Cristo como mãe e discípula. Tudo começa n’Ele e tudo volta a Ele. Eis a regra de ouro da devoção: ad Iesum per Mariam — por Maria a Jesus. Ela não retém; ela encaminha. Seu cuidado materno prepara o terreno, desperta a confiança, purifica as motivações e nos põe em caminho.

Caná revela a pedagogia dessa mediação. Maria  a falta (“eles não têm vinho”), intercede junto ao Filho, educa os servos — “fazei tudo o que Ele vos disser” — e alegra-se com o transbordamento. É sempre assim na vida espiritual: a Mãe percebe antes, apresenta com fé, forma a nossa obediência e nos conduz ao milagre que Cristo quer realizar, no tempo do Pai.

Como viver “por Maria a Jesus”? Hábitos simples: Angelus diário para gravar no coração a Encarnação; Rosário como Evangelho rezado; jaculatórias breves — “Mãe de Jesus, ensina-me a fazer o que Ele disser”. E dois focos que não podem faltar: Eucaristia no centro, com comunhões bem preparadas, e caridade concreta, porque graça que não chega ao irmão fica pela metade.

Dois desvios a evitar: reduzir Maria a “funcionária do milagre”, como se a fé fosse lista de pedidos; e buscar a Mãe para escapar de Cristo e da Igreja. Ela sempre nos abre a porta — e essa porta é Jesus, vivido sacramentalmente e servido nos pobres.

Roteiro breve de intercessão: nomear a necessidade; entregar à Mãe; obedecer à luz recebida com um passo concreto; agradecer desde já, confiando no tempo de Deus.

2.4. Cooperação na Encarnação e na Redenção

Contemplar Maria com São Boaventura é ver a Mãe caminhar com o Filho do primeiro fiat ao último respiro da Cruz. Não há concorrência, há consonância. O Doutor Seráfico exprime isso com a síntese luminosa do Sermo 43: ex ea sumptum; per eam solutum; ab ea possessum. O “preço” da nossa redenção é a carne santíssima de Cristo: tomada de Maria, oferecida por Ele, confiada à Igreja por suas mãos maternas.

Na Encarnação, a cooperação chama-se consentimento. Deus pede e Maria responde: faça-se. Nesse sim livre, o Verbo recebe corpo, sangue, voz, coração; tudo aquilo com que nos amará até o extremo. Por isso Boaventura afirma que o preço foi tirado dela: o Redentor nos salva com o que recebeu do seu seio. Em Belém já desponta o altar; a manjedoura indica a Eucaristia; os braços da Mãe ensaiam a oferenda.

Na Redenção, a cooperação chama-se compaixão obediente. Aos pés da Cruz, Maria não acrescenta outro sacrifício; une-se ao único sacrifício do Filho. É esse o sentido de per eam solutum: por sua adesão filial e materna, Deus quis associá-la ao ato redentor, sem diminuir a suficiência absoluta de Cristo. Corredenção, portanto, em sentido próprio: participação singular, subordinada e não concorrente.

Ab ea possessum indica a missão que permanece. Aquilo que Cristo consumou é guardado pela Mãe para a Igreja: ela apresenta o Ressuscitado, anima os discípulos, intercede em Pentecostes. Quem se deixa conduzir por Maria aprende a receber, oferecer e servir.

Caminho prático: Oferta — no ofertório, coloque sobre a patena um trabalho, uma dor, um pedido. Reparação — escolha semanalmente um gesto de justiça e reconciliação. Missão — depois da Missa, visite, telefone, partilhe. Dois desvios a evitar: pensar que faltou algo à Cruz; espiritualizar a cooperação sem tocar a vida. Exame breve: que fiat Deus me pede hoje? que dor posso unir a Cristo? quem devo amar de modo concreto nesta semana?

2.5. Maria e os sete dons do Espírito — reforço pneumatológico

Falar de Maria sem falar do Espírito é perder a fonte. Em Boaventura, a Mãe do Senhor “devia ser repleta do Espírito septiforme”: Sabedoria, Entendimento, Conselho, Fortaleza, Ciência, Piedade, Temor de Deus. Não é catálogo frio; é retrato vivo de um coração totalmente disponível à missão. Entre esses dons, o seráfico destaca dois faróis para a vida cristã: Conselho e Fortaleza.

O Conselho torna praticável a vontade de Deus. Em Maria ele age assim: primeiro, silêncio que acolhe; depois, discernimento do pedido divino no hoje; em seguida, deliberação humilde; por fim, palavra que educa: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. O dom não substitui a razão; cura-a, ilumina-a e orienta passos possíveis. Como cooperar? Invocar: “Veni, Sancte Spiritus”, formular a questão em uma frase, verificar se a opção respeita a fé e os deveres de estado, pedir confirmação e dar o primeiro passo. Conselho floresce na Igreja: direção espiritual, confissão frequente, amizade madura.

A Fortaleza é fidelidade sob peso. Vemo-la na Anunciação, na fuga, na vida oculta e, sobretudo, no Calvário: stabat Mater. Não é dureza que se fecha, mas constância que ama. Como acolhê-la? Pedir antes do que custa, executar sem dramatizar, repetir até o bem tornar-se hábito. Fortaleza sustenta a pureza de intenção, a paciência com quem nos fere e a esperança quando tudo parece tardar.

Os outros dons compõem a sinfonia. Sabedoria faz saborear as coisas de Deus; Entendimento ilumina o sentido da Palavra; Ciência ordena o criado ao Criador; Piedade transforma culto em misericórdia; Temor do Senhor guarda a reverência e afasta o pecado. Juntos, fazem da casa de Nazaré uma escola de vida cristã.

Três práticas: pequena lectio diária com Maria; comunhão bem preparada como alimento dos propósitos; obra semanal de caridade que converte luz em serviço.

Dois desvios: espiritualismo que pede luz e não age; ativismo que age sem rezar. Exame breve: pedi Conselho hoje? pratiquei Fortaleza? o que ajustarei amanhã?

2.6. Maria como Nova Eva e as prefigurações bíblicas

Boaventura lê a Bíblia como um único tecido onde os primeiros fios iluminam os últimos. Nessa tapeçaria, Maria resplandece como Nova Eva e convergência de figuras que apontam a Cristo. Tipologia não é jogo de coincidências; é pedagogia do Espírito: sinais do Antigo preparam o coração para a plenitude do Novo.

A primeira imagem é a terra virgínea: o homem foi moldado do barro não semeado; o novo Adão assume corpo em seio virginal. Assim se desfaz o contraste entre as duas mulheres. Eva escuta a serpente, toma e rompe a confiança; Maria escuta a Palavra, crê e entrega. O nó da desobediência desata-se no laço do fiat. Por isso os Padres cantam: “A morte veio por Eva; a vida brota por Maria”.

Duas figuras de intercessão prefiguram a missão materna: Judite e Ester. Judite vence com coragem de fé; Ester se apresenta pelo povo diante do rei. Em Maria, a intercessão torna-se universal e doméstica: ela percebe a falta, leva ao Filho, forma a obediência dos servos. A tipologia não rouba a cena de Cristo; mostra que Deus quis salvar por caminhos de família.

A Arca da Aliança é farol. Se guardava a Lei, o Maná e a vara, Maria traz no seio o Autor da Lei, o Pão vivo e o Sumo Sacerdote. Sua visita a Isabel ecoa a subida da arca: alegria, bênção, dança interior. Tudo converge para a presença de Deus que visita o povo.

A Mulher do Apocalipse recorda que a história é combate e maternidade. Vestida de sol, ela luta e também protege; com ela a Igreja aprende esperança e perseverança. E a Filha de Sião concentra as promessas: no “Alegra-te!” da Anunciação, o júbilo profético encontra cumprimento.

Como colher esses frutos? Lectio mariana em cinco passos: invocar o Espírito; ler um texto do Antigo e o paralelo do Novo; notar palavras-ponte; perguntar como o sinal leva a Cristo e ilumina Maria; responder com fé, fiat e caridade. Dois cuidados: não parar no símbolo; não forçar paralelos. Exame: onde repito Eva? onde posso dizer um “sim” concreto? qual figura sustenta meu combate atual? A tipologia termina sempre no mesmo lugar: em Jesus, para que, com Maria, aprendamos a viver como filhos.

2.7. Maria e a Igreja: obediência como fundamento

Maria é o primeiro espaço eclesial: onde a Palavra encontra uma liberdade inteira e a Igreja começa a acontecer. São Boaventura contempla o fiat da Virgem como forma da Igreja: escutar, crer, consentir e servir. “Ecclesia… non potuit esse nisi in Virgine gloriosa”: no seio obediente da Mãe, o Verbo faz morada e, a partir dela, gera filhos para Deus.

O fiat é fundamento porque revela o modo católico de existir: não começamos por projetos, mas por acolher o dom. A escuta gera fé; a fé move gestos; os gestos tornam-se caridade. Em Nazaré, Maria recebe a Palavra; em Belém, oferece o Filho; em Caná, educa a obediência; no Calvário, permanece de pé; em Pentecostes, anima a assembleia. Onde esse movimento se reproduz, ali floresce a Igreja.

Obediência cristã não é servilismo, é amor esclarecido. Com Maria, aprende-se a obedecer de modo concreto: santificar o Domingo na Missa, guardar diariamente o Evangelho cinco minutos, honrar os deveres de estado, organizar a caridade. Quem ama a Mãe ama a casa: paróquia, catequese, serviço, comunhão com os pastores.

Dois desvios pedem vigilância. Primeiro, a devoção sem eclesialidade: rezar terços, mas abandonar a vida sacramental e a vida paroquial. Segundo, o ativismo sem oração: fazer muito e escutar pouco. A Igreja nasce do “faça-se”, não do fôlego humano. O coração mariano equilibra interioridade e missão.

Proposta simples de regra de vida: Angelus manhã, meio-dia e tarde; Eucaristia dominical e, se possível, uma comunhão semanal; confissão mensal; um terço do Rosário; uma obra de misericórdia concreta por semana. Acrescente um propósito doméstico: mesa em família, benção antes de dormir, visita a um enfermo.

Exame breve: como escutei a Palavra? que passo obediente dei? de que modo participei da vida da Igreja? Propósito imediato: escolher hoje um gesto humilde e fiel — pedir perdão, cumprir um compromisso, ajudar discretamente. Assim, o fiat de Maria torna-se, em nós, alicerce vivo da Igreja.

2.8. Títulos marianos e vida espiritual

Os títulos marianos não são enfeites; são catequese cantada. Cada invocação ilumina Cristo e educa o coração. São Boaventura gosta dessa linguagem porque une doutrina e afeto: quando chamamos Maria por seus nomes, aprendemos quem é o Filho e quem devemos ser. As ladainhas e antigos compêndios de louvores — como o Psalterium Beatae Mariae Virginis (atr.) e o Speculum Beatae Virginis Mariae (atr.) — recolhem essas pérolas para a oração do povo.

Regina Angelorum recorda que Jesus é Rei e que Maria participa, como Mãe, da ordem do Reino. Não é poder mundano: é serviço que conduz ao senhorio de Cristo. Viver este título é buscar pureza de intenção. Prática: quinze minutos semanais de adoração e a pergunta sincera: “Para quem faço isso?”

Sedes Sapientiae proclama que a Sabedoria se sentou em Maria. Nela, o Verbo encontrou casa; com ela, aprendemos prudência: escutar, discernir, decidir. Prática: cinco minutos de lectio divina por dia (ler, meditar, rezar, escolher). Fruto: decisões claras, mansas e fiéis.

Auxilium Christianorum mostra a Mãe que socorre. Em Caná e no Cenáculo, ela percebe, intercede e anima. Prática: diante de uma necessidade, rezar “Mãe, ajuda-me a fazer o que Jesus disser” e dar um passo concreto de obediência. Fruto: fortaleza que persevera.

Outras invocações formam virtudes irmãs. Mater Misericordiae acende a compaixão que perdoa; Porta Caeli educa a pureza do coração e a custódia dos sentidos; Stella Maris sustenta a esperança nas noites do medo. O segredo é simples: título bom mostra Jesus, forma a virtude e move a caridade.

Como integrar títulos na vida? Primeiro, Cristocentrismo: toda invocação termina em Cristo. Segundo, Eclesialidade: rezar com a Igreja, na liturgia e nas devoções aprovadas. Terceiro, Sacramentos: louvor que não conduz à Eucaristia e à Reconciliação ficou pela metade. Quarto, Caridade efetiva: cada invocação pede um gesto real.

Roteiro breve: escolher um título para a semana; ligar o título a uma virtude e a um gesto objetivo; anotar graças e quedas; agradecer. Exame: qual título fala ao meu momento? qual virtude preciso treinar? qual gesto farei hoje? Assim, a ladainha vira escola de santidade, e o Rosário, Evangelho vivido com Maria. Tomado assim, cada título torna-se caminho de discipulado: louvar, aprender, converter-se e servir, até que Cristo reine, e Maria eduque nossos passos diariamente. em casa, na paróquia, no trabalho.

 

CONCLUSÃO

A estrada percorrida confirma a sabedoria de São Boaventura: tudo em Maria remete a Cristo e, com Maria, tudo retorna à Igreja. No centro está a maternidade divina (Theotokos), de onde irradiam a sua graça plena, a mediação subordinada que conduz e não substitui, a cooperação na obra da salvação (corredenção em sentido próprio, participação singular, não concorrente), o horizonte pneumatológico dos sete dons, a leitura tipológica (Nova Eva, Arca, Filha de Sião, Mulher do Apocalipse) e a sua missão de Mãe e Modelo da Igreja, cuja forma é o fiat obediente.

Se quisermos guardar o essencial em três movimentos, são estes:

  1. Contemplar: olhar para Maria para confessar melhor quem é Jesus.

  2. Celebrar: viver com ela o admirabile commercium na liturgia, onde Deus toma o que é nosso e nos dá o que é Seu.

  3. Viver: traduzir a devoção mariana em vida sacramental e caridade concreta.

Como fruto, ficam três resoluções simples e firmes:

  • Palavra: cinco minutos diários de lectio (ler–meditar–rezar–decidir) com Maria, Sedes Sapientiae.

  • Eucaristia e Reconciliação: Missa dominical bem preparada e confissão mensal como higiene da alma.

  • Caridade: um gesto semanal objetivo (visita, reconciliação, partilha), oferecido no Ofertório “com Maria ao pé da Cruz”.

Que a nossa casa se torne extensão de Nazaré, a nossa paróquia um Cenáculo de Pentecostes e o nosso coração o lugar onde o fiat continua a acontecer — para a glória do Pai, por Cristo, no Espírito.

 

ORAÇÃO DE ENCERRAMENTO

Santa Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, acolhe nossa ação de graças por este caminho. Tu, Theotokos, em cujo seio o Verbo se fez carne, educa-nos no teu fiat. Torna nosso coração lugar de escuta, nossa mente morada da sabedoria, e nossas mãos serviço humilde ao próximo.

Cheia de graça, alcança-nos do Espírito os teus dons: Conselho para discernir, Fortaleza para perseverar, Sabedoria para saborear o bem. Conduz-nos à fonte dos sacramentos: Palavra meditada, Eucaristia vivida, Reconciliação sincera. Que cada título teu nos leve sempre a Jesus e faça da fé uma caridade operosa.

Nova Eva e Auxílio dos Cristãos, guarda nossa semana sob tua proteção. Ensina-nos a dizer sim nas pequenas coisas, a servir sem ruído, a esperar sem desânimo. Recebe o que somos e temos; apresenta-nos ao teu Filho. Nele, vivamos, amemos e trabalhemos, hoje e sempre. Permanece conosco, conduz-nos à santidade da caridade diária. Amém.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Bonaventura, São. Itinerarium Mentis in Deum. In Opera Omnia, vol. 5. Ad Claras Aquas (Quaracchi): Collegium S. Bonaventurae, 1882–1902.

  • Bonaventura, São. Collationes de septem donis Spiritus Sancti. In Opera Omnia, vol. 5. Ad Claras Aquas (Quaracchi): Collegium S. Bonaventurae, 1882–1902.

  • Bonaventura, São. Commentaria in I–IV Sententiarum. In Opera Omnia, vols. 1–4. Ad Claras Aquas (Quaracchi): Collegium S. Bonaventurae, 1882–1902.

  • Bonaventura, São. Sermones (esp. “In Annuntiatione BMV”). In Opera Omnia, vol. 9. Ad Claras Aquas (Quaracchi): Collegium S. Bonaventurae, 1882–1902.

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  • Hayes, Zachary, OFM. Bonaventure: Mystical Writings. Várias eds.

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  • Libreria Editrice Vaticana. Nova Vulgata: Bibliorum Sacrorum Editio. Città del Vaticano: LEV, 1979–2007.

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  • Ratzinger, Joseph. Daughter of Zion: Meditations on the Church’s Marian Belief. San Francisco: Ignatius Press, 1983.

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  • Sociedade de São Pio X (ed.). Catecismo de São Pio X.

  • Vaticano (Pio IX). Ineffabilis Deus. Constituição Apostólica, 8 de dezembro de 1854.

REFERÊNCIAS BÍBLICAS POR TEMA

1) Theotokos e Encarnação

  • Anunciação / fiat: Lc 1,26–38; sombra do Altíssimo: Lc 1,35

  • “Mãe do meu Senhor” (base do título Theotokos): Lc 1,43

  • Plenitude dos tempos: Gl 4,4

  • O Verbo se fez carne: Jo 1,14

2) Admirabile commercium (a “troca admirável”)

  • Kenosis e dom: Fl 2,6–8; 2Cor 8,9

3) “Cheia de graça”

  • Saudação do anjo (kecharitōmenē): Lc 1,28; benevolência divina: Lc 1,30

  • Consentimento mariano: Lc 1,38

4) Mediação “por Maria a Jesus”

  • Caná da Galileia: Jo 2,1–11

5) Cooperação na Redenção

  • Profecia de Simeão (espada): Lc 2,34–35

  • Maria ao pé da Cruz: Jo 19,25–27

  • Maria na comunidade nascente: At 1,14; Pentecostes: At 2,1–4

6) Nova Eva e “terra virgínea”

  • Criação do homem do pó/“terra”: Gn 2,7

  • Queda e Protoevangelho: Gn 3,1–7.15.20

  • Leitura paulina (Adão/Cristo): Rm 5,12–19; 1Cor 15,45–49

7) Arca da Aliança ↔ Maria

  • Arca: medidas e propiciatório: Ex 25,10–22

  • Presença/“nuvem” que cobre a Tenda: Ex 40,34–35 (paralelo com Lc 1,35)

  • Translação da Arca a Jerusalém: 2Sm 6,2.9.11–15

  • Visitação de Maria: Lc 1,39–45.56 (eco de 2Sm 6; cf. Lc 1,43)

8) Judite e Ester (intercessão em favor do povo)

  • Judite intercede e vence Holofernes: Jt 8–16 (esp. Jt 13,6–10)

  • Ester se apresenta ao rei pelo povo: Est 4,14–5,8; 7,1–10

9) Filha de Sião

  • Alegria messiânica: Sf 3,14–17; Zc 9,9

  • “Alegra-te” à cheia de graça: Lc 1,28

10) Mulher do Apocalipse

  • Sinal no céu: Ap 12,1–6.10–17

11) “Porta do Céu”

  • Porta fechada por onde entrou o Senhor: Ez 44,2

  • Cristo, a Porta: Jo 10,9

12) Rainha-Mãe (fundamento bíblico da Regina Angelorum)

  • A mãe do rei senta-se à sua direita: 1Rs 2,19

  • Reinado davídico cumprido em Cristo: Lc 1,32–33

13) Eucaristia e Sumo Sacerdote (para as aplicações)

  • “Pão vivo que desceu do céu”: Jo 6,51

  • Cristo, Sumo Sacerdote: Hb 4,14–16

  • Conteúdo da Arca (maná, vara, tábuas): Hb 9,4

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