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Pange Lingua: A Beleza do Mistério Eucarístico na Voz da Igreja

Atualizado: 19 de ago.


ARTIGO - PANGE LINGUACaminho de Fé

INTRODUÇÃO

Composto por São Tomás de Aquino no século XIII, o hino "Pange Lingua Gloriosi" é uma das mais sublimes expressões da devoção católica à Eucaristia. Criado a pedido do Papa Urbano IV para a celebração da festa de Corpus Christi, este hino não apenas celebra o Sacramento, mas oferece uma profunda catequese poética sobre o mistério central da fé cristã: a presença real de Cristo no altar. Em um período marcado por debates teológicos e heresias que questionavam a doutrina eucarística, o hino surge como uma resposta firme e inspiradora da Igreja, reafirmando a verdade da transubstanciação e a continuidade do sacrifício redentor de Cristo na Missa.

O contexto histórico em que o hino foi escrito é relevante para compreender sua profundidade. A Idade Média testemunhava um crescente desenvolvimento da teologia sacramental, impulsionado por teólogos como São Tomás, que buscavam esclarecer o significado da Eucaristia à luz das Escrituras e da Tradição. Ao mesmo tempo, a Igreja enfrentava desafios doutrinais que ameaçavam a unidade da fé. Nesse cenário, o "Pange Lingua" se destaca por unir precisão teológica, beleza literária e espiritualidade profunda, consolidando-se como um hino de adoração e ensinamento.

Este estudo propõe uma análise detalhada do hino, explorando suas estrofes em latim para captar toda a riqueza de seu significado. Mais do que um simples cântico, o "Pange Lingua" é um convite à contemplação e à vivência do mistério eucarístico. Ao compreender as verdades teológicas presentes em cada verso, o fiel é levado a uma maior reverência pelo Santíssimo Sacramento e a um compromisso renovado com a vida de adoração.
Jesus consagra a Eucaristia na Última Ceia sob luz divina, cercado por apóstolos e anjos em adoração. Arte sacra inspirada no Pange Lingua.

PANGE LINGUA GLORIOSI


Pange, lingua, gloriósi

Córporis mystérium,

Sanguinísque pretiósi,

Quem in mundi prétium

Fructus ventris generósi

Rex effúdit géntium.


Nobis datus, nobis natus

Ex intácta Vírgine,

Et in mundo conversátus,

Sparso verbi sémine,

Sui moras incolátus

Miro clausit órdine.


In suprémæ nocte coenæ

Recúmbens cum frátribus

Observáta lege plene

Cibis in legálibus,

Cibum turbæ duodénæ

Se dat suis mánibus.


Verbum caro, panem verum

Verbo carnem éfficit:

Fitque sanguis Christi merum,

Et si sensus déficit,

Ad firmándum cor sincérum

Sola fides súfficit.


Tantum ergo Sacramentum

Venerémur cérnui:

Et antíquum documéntum

Novo cedat rítui:

Præstet fides suppleméntum

Sénsuum deféctui.


Genitóri, Genitóque

Laus et jubilátio,

Salus, honor, virtus quoque

Sit et benedíctio:

Procedénti ab utróque

Compar sit laudátio.

Amen.


2. ANÁLISE VERSO A VERSO

Primeira Estrofe:

Pange, lingua, gloriósi Córporis mystérium,Sanguinísque pretiósi, Quem in mundi prétium Fructus ventris generósi Rex effúdit géntium.

Tradução: Canta, ó língua, o mistério do Corpo glorioso e do Sangue precioso que, como preço pela salvação do mundo, o Rei das nações derramou, fruto do ventre generoso.

Nesta estrofe, São Tomás de Aquino exorta a alma cristã a proclamar com júbilo o mistério central da fé: a Eucaristia, na qual Cristo entrega Seu Corpo e Sangue pela redenção da humanidade. O termo "mysterium" não se refere a um segredo incompreensível, mas a uma realidade divina que se revela por meio da fé e da liturgia. Essa entrega total de Cristo é destacada no hino como um ato de amor redentor, que atinge o ápice na Última Ceia e na Cruz.

A expressão "Fructus ventris generosi" enfatiza a importância da maternidade divina de Maria no plano de salvação. Seu ventre puríssimo gerou o Salvador, aquele que, sendo o Verbo encarnado, é o verdadeiro alimento espiritual para os fiéis. O adjetivo "generosi" não se limita a destacar a pureza do ventre de Maria, mas também exalta sua dignidade espiritual e sua participação singular no mistério da Redenção. É por meio de seu "Fiat" que o mundo recebe o fruto divino: Cristo, o Rei das nações, que derrama Seu Sangue para resgatar a humanidade.

Esta estrofe não apenas proclama a glória do Corpo e Sangue de Cristo, mas também nos lembra que este mistério se realiza na Eucaristia. Assim como Maria gerou o Salvador fisicamente, a Igreja, como Mãe espiritual, perpetua esse mistério através do Sacrifício eucarístico, oferecendo Cristo como alimento espiritual para todos os fiéis.


Segunda Estrofe:

Nobis datus, nobis natus Ex intácta Vírgine, Et in mundo conversátus, Sparso verbi sémine, Sui moras incolátus Miro clausit órdine.

Tradução: Para nós foi dado, para nós nasceu de uma Virgem intacta; e, vivendo no mundo, espalhou a semente de Sua Palavra e encerrou sua morada terrena de maneira admirável.

Nesta estrofe, São Tomás de Aquino convida os fiéis a refletirem sobre o mistério profundo da Encarnação, um ato sublime de amor divino. O Verbo de Deus, que é eterno e consubstancial ao Pai, assume a natureza humana ao nascer da Virgem Maria. Este gesto não apenas demonstra a infinita misericórdia de Deus, mas também inaugura a obra da redenção. Cristo veio ao mundo para anunciar o Reino de Deus, semeando a Palavra entre os homens e realizando milagres que confirmam Sua identidade divina.

Ao longo de Sua vida terrena, Jesus preparou os discípulos para compreenderem o mistério da salvação. Porém, foi na Última Ceia que Ele instituiu o maior de todos os Sacramentos: a Eucaristia. Neste ato, Cristo antecipa Sua Paixão e oferece a Si mesmo sob as espécies do pão e do vinho. A instituição da Eucaristia é, portanto, o ápice de Sua missão terrena, um presente perpétuo deixado à Igreja como memorial de Sua entrega redentora.

São Tomás destaca que este mistério, embora transcenda a capacidade humana de compreensão, pode ser acolhido pela fé. A Eucaristia não é apenas uma recordação simbólica, mas a presença real e viva de Cristo entre nós, renovando continuamente o sacrifício da cruz e fortalecendo os fiéis em sua jornada espiritual.


Terceira Estrofe:

In suprémæ nocte coenæ Recúmbens cum frátribus Observáta lege plene Cibis in legálibus, Cibum turbæ duodénæ Se dat suis mánibus.

Tradução: Na noite da Última Ceia, reclinando-se com seus discípulos, cumpriu plenamente a Lei nos alimentos prescritos e, com Suas próprias mãos, deu-se como alimento à multidão dos doze.

Nesta estrofe, São Tomás de Aquino destaca a instituição da Eucaristia durante a Última Ceia, um evento que transcende o cumprimento das prescrições legais judaicas. Jesus, ao reunir-se com os apóstolos, não apenas observa a tradição da Páscoa judaica, mas transforma radicalmente seu significado ao oferecer-Se como o verdadeiro Cordeiro pascal. Ao entregar Seu Corpo e Sangue sob as espécies de pão e vinho, Cristo eleva a Antiga Aliança a uma nova dimensão espiritual.

São Tomás enfatiza que Jesus Se dá pessoalmente nas mãos dos apóstolos, realizando, com um gesto simples, um mistério profundo e duradouro. Esta doação manifesta o amor de Cristo e Sua disposição em permanecer presente no meio de Seu povo. O ato de "dar-Se com Suas próprias mãos" ressalta o caráter voluntário do sacrifício de Cristo, que se antecipa à Sua Paixão e Morte na cruz.

Mais do que uma simples refeição, a Última Ceia inaugura o Sacrifício Eucarístico, no qual Cristo Se oferece continuamente pela salvação da humanidade. Esta doação perpetua-se ao longo dos séculos através da celebração da Santa Missa, em que a comunidade dos fiéis participa do mesmo alimento que foi dado aos apóstolos naquela noite sagrada. Assim, o hino nos recorda que a Eucaristia é o maior dom de Cristo à Sua Igreja, sustentando-a espiritualmente até o fim dos tempos.


Quarta Estrofe:

Verbum caro, panem verum Verbo carnem éfficit: Fitque sanguis Christi merum, Et si sensus déficit, Ad firmándum cor sincérum Sola fides súfficit.

Tradução: O Verbo feito carne transforma, por Sua Palavra, o verdadeiro pão em carne, e o vinho em Sangue de Cristo. Ainda que os sentidos falhem, basta a fé sincera para confirmar o coração.

Nesta estrofe, São Tomás de Aquino apresenta a doutrina da transubstanciação, um dos mistérios centrais da fé católica. Ele afirma que o Verbo encarnado, por meio de Sua Palavra poderosa, realiza a conversão substancial do pão e do vinho em Seu Corpo e Sangue. Esse milagre não é perceptível pelos sentidos humanos, mas é acessível pela fé, que permite ao fiel reconhecer a presença real de Cristo na Eucaristia.

A transformação mencionada no hino ocorre pelo poder do Verbo, destacando que não é um sacerdote que, por si só, efetua essa mudança, mas o próprio Cristo, agindo através das palavras da consagração. Ao dizer "Hoc est enim corpus meum" ("Isto é o Meu Corpo"), a substância do pão deixa de ser pão, e a substância do vinho deixa de ser vinho, tornando-se, verdadeiramente, o Corpo e o Sangue de Cristo. Os acidentes — aparência, gosto e textura — permanecem, mas a essência é radicalmente transformada.

São Tomás nos lembra que a fé é o único meio pelo qual podemos aderir a este mistério. Os sentidos podem falhar em compreender essa realidade divina, mas a fé sincera é suficiente para garantir que o coração do fiel se fortaleça na verdade do Sacramento. Assim, a Eucaristia se torna alimento espiritual que nutre e transforma a alma, confirmando a presença viva de Cristo em meio à Igreja.


Quinta Estrofe:

Tantum ergo SacramentumVenerémur cérnui: Et antíquum documéntum Novo cedat rítui: Præstet fides suppleméntum Sénsuum deféctui.

Tradução: Por isso, veneremos com reverência este grande Sacramento. Que a antiga lei ceda ao novo rito, e que a fé complete o que os sentidos não compreendem.

Esta estrofe é um convite direto à adoração do Santíssimo Sacramento, enfatizando a transição da Antiga Aliança para a Nova. A expressão "Tantum ergo Sacramentum" evoca reverência diante do grande mistério da Eucaristia, que supera os ritos e sacrifícios antigos. Enquanto a Antiga Aliança estava centrada em prescrições legais e sacrifícios de animais, a Nova Aliança é marcada pelo sacrifício único e perfeito de Cristo, que se perpetua na Eucaristia.

São Tomás de Aquino ressalta que o reconhecimento desse mistério exige uma postura de humildade e fé. A veneração do Sacramento, realizada "cérnui" (com a cabeça inclinada), simboliza a submissão da razão e dos sentidos diante daquilo que transcende a compreensão humana. Ele reconhece que os sentidos são insuficientes para captar a presença real de Cristo na Eucaristia, mas a fé supre essa limitação, permitindo que o coração se firme na verdade do mistério eucarístico.

Ao afirmar que "antíquum documentum novo cedat rítui", o hino celebra a plenitude da revelação trazida por Cristo. Os antigos sinais prefiguravam o que agora é plenamente realizado na Nova Aliança. Assim, o hino nos exorta a abandonar as sombras do passado e a abraçar a realidade sacramental que a fé nos apresenta, renovando nossa adoração e compromisso com o mistério eucarístico.


Sexta Estrofe:

Genitóri, Genitóque Laus et jubilátio, Salus, honor, virtus quoque Sit et benedíctio: Procedénti ab utróque Compar sit laudátio. Amen.

Tradução: Ao Pai e ao Filho sejam dados louvor e júbilo, salvação, honra, virtude e bênção. E ao Espírito Santo, que procede de ambos, seja tributada igual adoração. Amém.

Esta estrofe final é uma doxologia trinitária, um hino de louvor que exalta as três Pessoas da Santíssima Trindade — Pai, Filho e Espírito Santo — reconhecendo nelas a fonte de todo bem e a origem de nossa salvação. São Tomás de Aquino encerra o hino com palavras que evocam a glória eterna de Deus, celebrando a unidade divina na diversidade das Pessoas. O uso de termos como "laus" (louvor), "jubilatio" (júbilo), "salus" (salvação), "honor" (honra), "virtus" (poder) e "benedictio" (bênção) mostra a amplitude dos atributos divinos que merecem ser reconhecidos e adorados por toda a criação.

A expressão "Genitori, Genitoque" refere-se ao Pai (Genitor) e ao Filho (Genito), destacando a relação eterna entre ambos. O versículo também menciona o Espírito Santo como "Procedenti ab utroque" (aquele que procede de ambos), reafirmando a doutrina trinitária conforme definida pelo Magistério da Igreja, especialmente no Concílio de Constantinopla e no de Florença. Essa referência destaca a igualdade e coeternidade das três Pessoas divinas, que partilham a mesma essência e glória.

O louvor trinitário conclui com um chamado à adoração universal: a Deus deve ser dada a mesma honra e glória em todas as gerações. O "Amen" final sela esta exaltação, confirmando a fé da Igreja no mistério trinitário e convidando os fiéis a unirem suas vozes no louvor eterno ao Deus Uno e Trino.


CONCLUSÃO

Após esta análise do hino "Pange Lingua Gloriosi", torna-se evidente a riqueza teológica e espiritual que São Tomás de Aquino quis transmitir em cada verso. O hino é mais do que uma obra poética; é um verdadeiro convite à contemplação do mistério central da fé cristã: a presença real de Cristo na Eucaristia. Ao longo das estrofes, vemos como o autor conduz os fiéis desde a Encarnação do Verbo até a instituição do Sacramento da Eucaristia, destacando o papel de Maria e a importância da fé para acolher este mistério.

A profundidade do "Pange Lingua" reside em sua capacidade de unir doutrina e devoção. Ao meditar sobre suas palavras, o fiel é chamado a renovar sua compreensão da Eucaristia, reconhecendo-a não apenas como um rito litúrgico, mas como o centro da vida cristã. O Sacramento do Corpo e Sangue de Cristo é a presença viva e contínua do Senhor em meio à Igreja, oferecendo sustento espiritual e renovando constantemente o sacrifício da cruz.

Este hino nos lembra que a fé é o alicerce que permite enxergar além dos sentidos humanos. A transubstanciação, embora invisível aos olhos, é uma realidade que transforma o pão e o vinho em verdadeira carne e sangue de Cristo. Essa verdade é o fundamento da adoração eucarística e da vida sacramental da Igreja.

Portanto, o "Pange Lingua" não é apenas um cântico de louvor, mas uma exortação à vivência profunda do mistério eucarístico. Ele nos impulsiona a nos aproximarmos do altar com reverência e humildade, confiantes de que, pela fé, participamos do mistério da redenção. Que este estudo inspire uma renovada devoção ao Santíssimo Sacramento e uma maior consciência da presença real de Cristo entre nós.


ORAÇÃO DE ENCERRAMENTO

Senhor Jesus Cristo, nós Vos louvamos e agradecemos pelo dom inefável da Eucaristia, na qual nos deixais o Vosso Corpo e Sangue como alimento de vida eterna. Que a meditação do hino “Pange Lingua” renove em nossos corações o amor e a reverência pelo Santíssimo Sacramento, fonte de nossa salvação.

Concedei-nos, Senhor, a graça de aprofundar nossa fé no mistério da transubstanciação, para que, mesmo diante das limitações de nossos sentidos, possamos reconhecer em cada Santa Missa a Vossa presença real e verdadeira. Fortalecei em nós o desejo de adorar-Vos com humildade, reconhecendo-Vos como nosso Redentor e sustento espiritual.

Ó Maria, Mãe da Eucaristia, que trouxestes ao mundo o Verbo Encarnado, ajudai-nos a viver como testemunhas do amor de Cristo presente na Eucaristia. Guiados por Vós, que possamos sempre proclamar a glória do Vosso Filho e buscar a santidade em nossas vidas. Amém.


CANTA, Ó LINGUA, O MISTÉRIO GLORIOSO


Canta, ó língua, o mistério glorioso

Do Corpo sagrado

E do Sangue precioso,

Que, como preço pela salvação do mundo,

O fruto do ventre generoso

O Rei das nações derramou.


Para nós foi dado, para nós nasceu

De uma Virgem intacta,

E vivendo neste mundo,

Espalhou a semente da Palavra,

E, ao fim de Sua estadia terrena,

Encerrá-la quis de modo admirável.


Na noite da Última Ceia,

Reclinado com os irmãos,

Cumprindo plenamente a Lei

Nos alimentos prescritos,

Deu-se em alimento à multidão dos doze

Com Suas próprias mãos.


O Verbo feito carne transforma o verdadeiro pão

Em Sua própria carne, pelo poder de Sua Palavra;

E o vinho torna-se o Sangue de Cristo.

E, se os sentidos falham,

Para fortalecer o coração sincero,

Basta a fé.


Por isso, adoremos, prostrados,

Este grande Sacramento.

Que o antigo rito da Lei

Ceda lugar ao novo rito.

Que a fé complete o que falta

Aos sentidos limitados.


Ao Pai e ao Filho,

Louvor e júbilo.

Salvação, honra, poder também,

Sejam dados como bênção.

Ao Espírito que de ambos procede,

Seja dado o mesmo louvor.

Amém.

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